A Fé que não Apóia o Favoritismo



Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. (Tg 2:1)

O favoritismo é um tipo de pecado que nos está muito próximo, ele é manifestado amplamente em nossa sociedade materialista, e, infelizmente, é visto em muitas famílias e igrejas cristãs: o favoritismo que exalta um e diminui o outro. Nossa natureza pecaminosa torna-nos propensos a medirmos e valorizarmos o próximo pela roupa, pela cor, pela posição social, pelo nome, pelo título, pela influência, enfim, pela aparência.

Tiago confronta este desvio de conduta. O apóstolo usa a Escritura Sagrada para corrigir seus irmãos, mostrando-lhes que não deveriam usar a fé em Jesus Cristo para favorecerem os ricos e desprezarem os pobres, uma vez que esse procedimento em nada se assemelhava ao tratamento que haviam recebido de Deus, que os havia acolhido, quando estavam imersos em delitos e pecados (Ef 2:1), o que prova que Deus não faz acepção de pessoas. Vejamos, detalhadamente, a maneira como Tiago trata esse assunto.

I - ENTENDENDO A MENSAGEM

Tiago inicia o capítulo dois tratando de um tipo de conduta de seus leitores, que, assim como outros comportamentos estudados anteriormente sobre a fé, é grave aos olhos de Deus: eles estavam fazendo acepção de pessoas. O apóstolo começa dizendo-lhes: Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2:1). A fé no Senhor Jesus Cristo estava sendo praticada em forma de discriminação. Diante dessa situação, o escritor sagrado apresenta aos destinatários de sua epístola duas razões, que, segundo Douglas Moo, seria o suficiente para que eles refletissem e parassem de discriminar as pessoas. A primeira razão era o tratamento preferencial prestado ao rico que estabelece um franco contraste com a atitude de Deus, que escolheu os pobres “para serem ricos em fé” (vv.5-7). A segunda razão se baseia no seguinte fato: toda manifestação de favoritismo é condenada pela “lei régia”, que exige o amor ao próximo (vv.8-13) [1] Moo pondera que - O espaço que Tiago dedica a este assunto [13 versículos em seqüência] indica que o problema era bastante sério entre seus leitores. Aparentemente, a opressão que eles estavam experimentando às mãos dos ricos (cf. vv. 6-7) não havia causado uma retaliação, mas uma excessiva deferência em relação aos ricos e poderosos, resultando em desrespeito e humilhação às pessoas mais simples. Tal comportamento manifesta uma falha na “prática” da lei régia que eles têm ouvido. (cf. 1.22-25) [2].

O contexto histórico nos informa que, na Palestina, assim como em todos os países, e, principalmente, nos impérios, os ricos oprimiam os pobres. É verdade, também, que os pobres, na intenção de serem beneficiados, normalmente bajulavam os ricos. Nas comunidades cristãs para quem Tiago escreve, parece não haver dúvidas quanto à prática desse comportamento mundano. O apóstolo revela essa conduta com estas palavras: Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com vestes preciosas, e entrar também algum pobre com sórdida vestimenta, e atentardes para o que traz a veste preciosa e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui, num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé ou assenta-te abaixo do meu estrado, porventura não fizestes distinção dentro de vós mesmos e não vos fizestes juízes de maus pensamentos? (2:2-4)

A palavra grega “acepção” significa “tomada de face” ou “receber o rosto”, no sentido parcialidade, julgamento, diferenças estabelecidas com base em impressões externas, acepção com base na aparência. Alguns daqueles irmãos estavam oferecendo a seus semelhantes, os pobres, um tratamento oposto ao que haviam recebido de Deus, que os havia perdoado, sendo todos pecadores; valorizavam as pessoas pelo critério do visual externo. Por sua vez, nosso Deus valoriza as pessoas pelo critério interno: ... porque o SENHOR não vê como vê o homem. Pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR olha para o coração (I Sm 16:7). O apóstolo declara que a atitude deles é fruto de maus pensamentos (Tg 2:4).

Mas, na prática, como a discriminação se manifestava entre os leitores originais de Tiago? No culto, por exemplo, começava quando ambos, o rico e o pobre, chegavam. A discriminação se manifesta pelas palavras e pelo lugar reservado a cada um. Ao rico bem-vestido e cheiroso, dizia-se: “Seja muito bem vindo; o senhor é um visitante ilustre; temos a honra de recebê-lo em nosso meio; sente-se neste primeiro banco; o senhor terá oportunidade para falar na parte que consideramos mais importante de nosso culto”. Ao pobre, mal vestido, dizia-se: “O que deseja? Quem é você? Aqui é uma igreja, não se pode entrar desse jeito. Se quiser permanecer, fique em pé, aqui no canto, e em silêncio”. O preconceito, a discriminação, estava instalado na igreja.

Ao ver esta degradante situação, Tiago “abre a boca”: Ouvi, meus amados irmãos. Porventura, não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura, não vos oprimem os ricos e não vos arrastam aos tribunais? Porventura, não blasfemam eles o bom nome que sobre vós foi invocado? (Tg 2:5-7)

Com estas palavras, Tiago não está ensinando o ódio aos ricos e o amor aos pobres, ou o inferno aos ricos e o céu aos pobres. Tiago não exclui nem descrimina o rico, uma vez que é ciente de que Deus não faz acepção de pessoas (Tg 2:1). O apóstolo sabe que o Senhor quer que todos os homens [dentre eles, os ricos] se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm 2:4). Como bem enfatizou Isaltino G. Coelho - Tiago não prega o ódio contra os ricos. Não se alinha ele com algumas correntes teológicas contemporâneas que sacralizaram o pobre, tornando-o objeto exclusivo do favor de Deus, voltando-se contra os mais aquinhoados economicamente, como se estes fossem os unidos culpados de todos os males do mundo. Tiago não é teólogo da libertação e tampouco um apologista da luta de classe adornada com roupagem cristã. As possessões materiais não são demoníacas, nem a pobreza é uma virtude (...). O pecado não está na posse de coisas, mas na maneira como as conseguimos e no uso que fazemos delas. [3]

Por que Tiago combate severamente a atitude de favoritismo aos ricos? Ocorre que, na tentativa de agradar essa classe poderosa, alguns irmãos, esperando receber generosidade em troca, estavam honrando exatamente aqueles que contribuíam para seus infortúnios, que lhes emprestavam dinheiro a juros exorbitantes, sendo que, quando esses mesmos crentes não podiam pagar suas dívidas, eram arrastados por seus credores aos tribunais, onde seus poucos bens eram avaliados e tomados injustamente. Não satisfeitos, os ricos ainda zombavam do bom nome de Jesus Cristo, que estava sobre os irmãos. Essa atitude de desdém e de deboche não é a que vemos na vida de muitos ricos de hoje? Muitos poderosos da nossa terra fazem pilhéria com a forma simples e inculta de crer e de viver de muitos cristãos pobres.

Honrando os seus algozes, aqueles irmãos estavam cometendo grave pecado contra a “lei régia”, a lei maior que manda amar o próximo: Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem fazeis. Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado e sois redargüidos pela lei como transgressores. Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos. Porque aquele que disse: Não cometerás adultério, também disse: Não matarás. Se tu, pois, não cometeres adultério, mas matares estás feito transgressor da lei. (Tg 2:8-11)

Ao afirmar que fazer acepção de pessoas é pecado contra a lei de Deus, o apóstolo está se reportando ao Livro da Lei, composto pelos primeiros cinco livros da Bíblia, em que lemos: Pois o SENHOR, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita recompensas; que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e veste (Dt 10:17-18); e mais: Não fareis injustiça no juízo; não aceitarás o pobre, nem respeitarás o grande; com justiça julgarás o teu próximo (Lv 19:15). Para resolver a questão, Tiago evoca o mandamento do amor, descrito na mesma Lei: Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR (Lv 19:18).

Paulo também usa o Livro da Lei para corrigir esse repugnante pecado (Rm 12:11; Ef 6:9; Cl 3:25). Em Cl 3:10-11, ele lembra que Cristo, na cruz, derrubou esse muro de classes sociais, de cor, de etnia e de posição social: ... vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircunciso, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.

Para Tiago, só pela prática integral da lei do amor os cristãos podem vencer o preconceito, a discriminação, o favoritismo, a separação, a acepção, pois a lei é para ser observada inteiramente, como ensinou Jesus: Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no Reino dos céus (Mt 5:19). Basta quebrar um só ponto, ainda que pequeno, para que a pessoa seja culpada; e os leitores de Tiago estavam quebrando um dos principais: o amor ao próximo.

Por isso, o apóstolo conclui o trecho sobre acepção, ordenando-lhes: Assim falai e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade. Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa sobre o juízo. Ele volta a chamar a lei do Antigo Testamento de “lei da liberdade”, como fizera em Tg 1:25, porque, em Cristo, a lei não é um peso, mas uma prova de amor demonstrada pelos que foram libertos por seu sangue. Assim, os que foram alcançados por tão grande misericórdia, não poderiam dar ao próximo um tratamento diferente daquele que receberam de Deus; se continuassem agindo fora da “lei da liberdade”, o juízo contra eles seria sem misericórdia.

II - APLICANDO O CONHECIMENTO EM NOSSA VIDA

Fazemos acepção de pessoas, quando diminuímos a importância de Cristo - O apóstolo Tiago declara: Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2:1). Em Tg 1:1, ele já havia chamado Jesus Cristo de Senhor; agora chama Jesus Cristo de Senhor da glória, qualidade que nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória (I Co 2:8). A preocupação de Tiago era que alguns de seu tempo estavam usando a fé no Senhor da glória para manifestar suas preferências por pessoas que julgavam ser mais importantes. Nessa versão pecaminosa, homens poderosos estavam ganhando a preferência que deveria ser exclusivamente de Cristo. Homens estavam competindo com Cristo.

Quantas vezes diminuímos a importância de Cristo, na igreja e em nossa vida, com nossas extravagantes preferências por esta ou aquela pessoa, por tal pastor, tal cantor, enfim, por homens poderosos. Muitas vezes, excedemo-nos em nossos eventos comemorativos: houve-se mais elogio a homens do que ao Senhor da glória. Há igrejas em que o excesso de elogio deixa o elogiado constrangido. Em Laodicéia, os homens tornaram-se tão importantes que Jesus Cristo foi colocado para fora da igreja (Ap 3:20).

Prestar honras a pessoas é bíblico (Rm 13:7), mas é antibíblico, e, por isso, pecado fatal, ignorar a magnitude do senhorio absoluto de Cristo, que não dá a outro a sua glória (Is 42:8). Quando diminuímos a importância de Cristo, a igreja perde o poder e Jesus pode fechá-la (Ap 3:7). Devemos ter a mesma atitude de João Batista, que disse: É necessário que ele [Jesus Cristo] cresça e que eu diminua (Jo 3:30), e dizer também como Paulo: Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém! (Rm 11:36).

Fazemos acepção de pessoas, quando adulamos os homens poderosos - Aos que demonstram favoritismo pelos homens poderosos, o apóstolo Tiago declara: ... porventura não fizestes distinção dentro de vós mesmos e não vos fizestes juízes de maus pensamentos? (Tg 2:4) Com isso, o escritor mostra que o favoritismo humano é fruto de mentes pecaminosas. Ora, se, em Cristo, fomos igualados (Jo 17:22; Rm 12:5; I Co 10:17) e, se todos devem prestar sua devoção àquele que os igualou, não faz sentido o favoritismo baseado em suposta superioridade de um em relação ao outro. Adular pessoas por causa de dinheiro ou posição de poder é pura carnalidade, como afirma Paulo: ... porque ainda sois carnais, pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois, porventura, carnais e não andais segundo os homens? Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu, de Apolo; porventura, não sois carnais? (I Co 3:3-4)

Qual o testemunho de conversão que preferimos ouvir: de um artista famoso ou de um irmão anônimo? De um jogador de futebol famoso ou de uma costureira inculta? Quem nós escolheríamos para pregar em uma grande conferência: um pastor interdenominacionalmente famoso ou um irmão santo que não tem expressividade popular? Preferimos receber oração do pastor notável ou do presbítero desconhecido? Fazemos acepção de pessoas, quando queremos impactar nossos convidados com pregadores cujo critério de escolha não é a vida de santidade, mas a notoriedade.

Nossos favoritismos nos fazem descartar pessoas simples, galileus, mas que são cheios do poder de Deus (At 2:7). É hora de pararmos com a adulação aos poderosos
“Não podemos ter dois evangelhos. Um, para dizer ao pobre que ele deve arrepender-se de seus pecados, senão vai para o inferno, e outro, para dizer ao rico que nos sensibilizamos com sua visita e que ela nos enche de satisfação.”[4]
Não, não podemos discriminar; devemos dizer aos dois que eles são pecadores, que eles precisam se arrepender e que Deus quer salvá-los.

Fazemos acepção de pessoas, quando amamos por interesse - Aos que demonstravam sua preferência pelos ricos, Tiago declarou: Ouvi, meus amados irmãos. Porventura, não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5) Os homens sempre escolherão os ricos, porque fazem acepção e porque estão de olho nas vantagens do reino terreno; mas Deus, que não age com favoritismos, escolheu os pobres, porque sabe que eles são mais receptivos à fé, à graça, à herança do Reino dos céus. “Não foi ao grande Herodes, na pompa de seu luxuoso palácio, que os anjos anunciaram o nascimento do Rei dos judeus. Foi aos pastores, gente humilde que guardava rebanhos no campo. E com que alegria eles receberam as novas! (...) ‘foram, pois, a toda pressa’ (Lc 2:16)” [5] É o ter (valor terreno) competindo com o ser (valor eterno).

Ainda hoje, somos mais capazes de dar atenção, tempo, amor a pessoas de posses, que podem, de alguma maneira, nos favorecer, do que nos doar, igualmente e indistintamente, aos nossos irmãos. Uma vez que dinheiro significa poder, os ricos sempre exigirão maior deferência; logo, se não estivermos espiritualmente e biblicamente bem preparados, acabaremos por praticar esse tipo de pecado, o que pode nos render alguns dividendos materiais; porém, certamente estaremos desagradando a Deus. Por esta razão, amemos e tratemos ricos e pobres de forma igualitária e sem interesses pecaminosos, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui (Lc 12:15).

CONCLUSÃO

Nesta vida, sempre haverá ricos e pobres, humildes e poderosos, fortes e fracos, leigos e notáveis; por esta razão, sempre seremos pressionados a dar mais valor aos poderosos e influentes, na esperança de sermos por eles recompensados. Se procedermos desta forma, entretanto, estaremos desagradando profundamente a Deus, que não faz acepção de pessoas e que cuida de nós, a cada dia, sem deixar que coisa alguma nos falte.

Portanto, não nos iludamos com a falsa impressão de segurança que os poderosos nos transmitem, pois Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? (Tg 2:5) Nada de favoritismos! Tratemos os ricos e os pobres da mesma maneira; ambos têm a mesma importância para Deus e para nós.

Que Deus nos ajude e nos abençoe!




Referências Bibliográficas:

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[1] Moo J. Douglas, Tiago – Introdução e Comentário, São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p.87.

[2] Idem

[3] FILHO, Isaltino Gomes Coelho. Tiago – Nosso Contemporâneo. Rio de janeiro: Juerp, 1990, pp. 76-77.

[4] Idem.

[5] Idem

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Fonte: Texto de autoria do Pr. José Lima de Farias Filho - Estudo sobre a fé baseado na epístola de Tiago - Reproduzido e divulgado no PC@maral

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