A Fé Que Restaura O Desviado


A fé prática estimula, procura e celebra a restauração de quem se desviou da verdade do Senhor.
Meus irmãos, se alguém entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados (Tg 5:19-20).

Ao longo desta série de treze artigos baseados na epístola do apóstolo Tiago, analisamos a sendo posta em ação através da superação de provações, da valorização do ser [cristão] em contrapartida ao ter do mundo, do discernimento das tentações, do controle do temperamento, da prática da palavra, do não apoio ao favoritismo, da sua manifestação através das boas obras, do domínio da língua, da separação do mundo, da rejeição a auto suficiência, da espera da vinda do Senhor, do acolhimento ao doente e, por fim, a que restaura o desviado, tema do estudo de hoje.
De acordo com o estudo "Tendências Demográficas: uma análise da população com base nos resultados dos Censos Demográficos de 1940 e 2000" do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população evangélica brasileira cresceu quase sete vezes, passando de 2,6% para 15,4%, o que representa mais de 26 milhões de pessoas. Como parâmetro, o estudo mostra que a população brasileira cresceu de 41,2 milhões em 1940 para 169,8 milhões de habitantes no ano 2000. – JMM Missões Mundiais
Em 2000, o Censo Demográfico do IBGE contou 26 milhões, 184 mil e 977 evangélicos no país e uma taxa de crescimento anual de 7,43%. Isso significa que, de 1991 a 2000, a cada ano, houve um aumento de 7,43%. Com base nessa taxa, estima-se que, no final de 2005 éramos 37.463.215. Desses milhões, que um dia deixaram-se batizar, quantos ainda estão na igreja? Não existem dados oficiais. Ainda que o número de desviados continue oficialmente desconhecido e indisponível, calcula-se que, hoje, existam, no Brasil, entre 30 e 40 milhões de pessoas que se desviaram do evangelho, por motivos diversos.

Conquanto, o número de desviados seja gigantesco e assustador, quase nada é feito para trazê-los de volta ao aprisco do Senhor. Quase não existem igrejas com ministérios específicos para restaurar a centésima ovelha. A Igreja talvez seja, hoje, o único exército do mundo cujos soldados não voltam para buscar seus feridos no campo de batalha. Ao contrário, substitui-os rapidamente no batalhão e segue em frente, esquecendo-se que muitos soldados de valor ficaram à beira da morte pelas trincheiras. É desta classe de pessoas que trata esta lição, que se baseia no final da carta de Tiago.

I - ENTENDENDO A MENSAGEM

Vimos que, nos 108 versículos, dos 5 capítulos da sua carta, a preocupação de Tiago se voltou inteiramente para os crentes em Cristo Jesus, que estavam espalhados pelas províncias do império romano. Isto fica ainda mais evidente na parte final, que não se limita a palavras de despedidas, mas de exortações. E como começa a exortação? Começa com uma expressão carinhosa: Meus irmãos (Tg 5:19). Trata-se de uma expressão favorita do escritor. Em nada menos de 14 vezes, Tiago a utiliza: meus irmãos ou simplesmente, irmãos (Tg 1:2:19, 2:1, 5,14, 3:1,10,12, 4:11, 5:7,9-10, 12:12).

Quando diz: ... se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter (Tg 5:19), Tiago não está apoiando o desvio; apenas admite que os crentes da dispersão estavam bastante suscetíveis a se desviarem da verdade. Havia, aparentemente, inumeráveis motivos aos quais podiam apegar-se para justificar o desvio do caminho divino. Podiam desviar-se por descrença, por frieza, pela expectativa de um favor ou benefício divino não-alcançado de imediato, por falta de convicção religiosa, por desentendimentos internos, pela busca por poder ou favorecimentos não obtidos; por sentirem-se injustiçados, por magoarem-se diante de constrangimentos ou ainda por julgarem-se vítimas de uma ação desabonadora que partiu de quem jamais esperavam.

O que fazer com quem se desviou? Tiago ensina que o crente que visse seu irmão desviar-se da verdade deveria empenhar-se de maneira insistente, amorosa e humilde – isto é, sem se julgar superior - para o converter. Vamos entender o sentido desta palavra. No grego, “converter” é “epistrofhe” [1], que significa literalmente “voltar” [2]. Este verbo, segundo os estudiosos das Escrituras Sagradas, “pode ser aplicado a uma volta inicial a Deus para a salvação (At 14:15, 15:19, 26:18; I Ts 1:9), mas pode também, como neste caso, referir-se a uma volta à fé da qual uma pessoa se desviou (Mc 4:12; Lc 1:16, 22:32)”.

Talvez a reação mais natural fosse abandonar o desviado. Esta atitude, porém, não seria do agrado de Deus, o Sumo Pastor que sempre se dispõe a buscar quem se perdeu (Ez 34:11-16). Para Tiago, uma pessoa que compartilhou igualmente, das mesmas bênçãos divinas e sentiu o mesmo mover do Espírito Santo na Igreja de Deus não poderia ser largada na sarjeta espiritual. Ela deveria ser buscada! Logo, alguém precisaria estar disposto a compadecer-se desse irmão errante, restaurando-o ou reconduzindo-o, com urgência, aos princípios de fé outrora seguidos. Alguém deveria pôr-se a serviço de Deus, para que o desviado voltasse aos princípios da verdade.

Tiago sabia que quem vive de crise em crise corre sério risco de existir em função de si mesmo, preocupando-se apenas com as suas próprias aflições e tensões. Pode tornar-se incapaz de pensar que há pessoas que também estão sofrendo. Por essa razão, ele não deixou de estimular cada irmão a ajudar quem se perdeu do Senhor. Mesmo que já tivesse percorrido vários quilômetros, longe de Deus, ainda haveria tempo para se fazer a necessária “conversão”, que incluiria “uma reorientação da vida e da personalidade, a qual inclui a adoção de uma nova conduta ética, o abandono do pecado e uma volta à retidão” [3].

No versículo 20, Tiago mostra aos seus leitores que os esforços destes em favor da conversão do irmão desviado serão grandemente abençoados por Deus: ... sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados. Por se desviar da vontade divina, o irmão estava sujeito à morte, porque o salário do pecado é a morte (Rm 6:23). Porém, ao voltar-se de novo para Deus, este mesmo irmão ficou livre da morte. Isto está de acordo com o caráter de Deus. Ele não tem prazer na morte de quem quer que seja (Ez 33:11), uma vez que o sadismo não é um atributo seu. Se alguém se converter de todos os pecados que cometeu, (...) certamente, viverá; não será morto (Ez 18:21), afirma o Deus Salvador.

O que o irmão fez no passado, enquanto estava desviado, é anulado e perdoado por Deus. Esquecendo as velhas transgressões do irmão que voltou, Deus olha somente para o seu presente. A graça de Deus age assim. Portanto, não devemos surpreender-nos com a anulação de toda a multidão de pecados cometidos. O perdão de Deus é completo e perfeito: De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança (Ez 18:22a). O irmão que voltou para Deus não teria uma vida angustiante e vergonhosa. Isto, todavia, não significa que o irmão que alcançou o perdão de Deus vá ficar livre das conseqüências de suas falcatruas, dos seus desacertos, das suas impiedades, pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará (Gl 6:7).
Uma aldeia era cortada por um turbulento rio. Certo dia surgiu grande alvoroço que tomou conta de todos: “Socorro, menino no rio!”. As mães saíram correndo: “Será meu filho?” Um rapaz que apreciava a cena e ótimo nadador, amarrou uma corda pela cintura e jogou a outra extremidade para multidão e gritou: “Eu vou buscá-lo. Segurem a corda”. E se lançou nas revoltas águas. Quando conseguiu agarrar o menino, foi um alívio para todos. Gritou, então: “Puxem a corda!”. Nenhuma só pessoa havia segurado na ponta da corda, e os dois pereceram nas turbulentas águas do rio.
Em nossos dias, também são ouvidos gritos de todos os lados, de alguém que está sendo arrastado pelas correntezas do pecado, com poucas pessoas dispostas a irem resgatar esse náufrago. O pior ainda é que essas poucas que se vão, nem sempre têm quem esteja segurando na outra extremidade da corda para, no momento oportuno, puxá-la e trazer a salvo o náufrago e a pessoa que lhe estendeu a mão. Muitos querem ver o desviado restaurado, sem, contudo, colaborarem para isto. Todos, no entanto, são chamados a prestarem socorro a quem quer que seja. Esta é a visão de Tiago, firmado nos propósitos divinos de Mt 18:11-12. Sejamos instrumentos de Deus para a restauração dos que se desviaram da retidão.

II - APLICANDO O CONHECIMENTO EM NOSSA VIDA:

A fé autêntica estimula a restauração de quem se desviou do Senhor - Na agenda das denominações evangélicas do nosso tempo, quase não há espaço para orientar e equipar os membros quanto à necessidade de reconquistar as milhares de pessoas que se desviaram do evangelho. A pauta é outra. As suas palestras, as suas músicas, os seus simpósios, os seus congressos, as suas pregações, as suas campanhas, as suas cruzadas estimulam outro ministério: evangelização. Nesse ministério, existe um grande número de pessoas esforçando-se para estimular os crentes das igrejas a ganhar mais gente para o Reino de Deus. Assim, semana após semana, milhares de pessoas são batizadas nos vários templos dessa nossa imensa nação.

O fato é que nunca houve tanta gente se convertendo e se achegando às igrejas do Brasil. Contudo, com o passar do tempo, muitos desses novos crentes desviam-se do caminho da salvação. O que a igreja faz para trazê-los de volta? A resposta honesta é: quase nada. Por falta de estímulo e preparo a maioria não se envolve no trabalho de recuperar a ovelha que se desviou. Celebramos os novos irmãos que se achegam, mas não lamentamos os velhos irmãos que se afastam. A indiferença é assustadora. Podemos notá-la em quase todos os níveis da igreja. Esta indiferença, contudo, desagrada profundamente ao Deus que não se cansa de ressaltar e estimular, em sua Palavra, o resgate dos que se desviaram da verdade (Jd 22-23; I Ts 5:14). Estimulemos à reconquista daqueles que se afastaram da comunhão!

A fé autêntica procura a restauração de quem se desviou do Senhor - Homens e mulheres que um dia foram atuantes na igreja, servindo, pregando, ensinado, louvando, visitando, liderando, ajudando, hoje estão completamente afastados e distantes, com o coração amargurado e dominado pelo pecado. Por que não voltam? Porque falta gente para ajudá-los a voltar. Assim sendo, é ótimo que Tiago termine a sua carta com a temática da restauração dos desviado. A igreja do nosso tempo não sabe lidar com quem se afastou ou se desviou. Somos, infelizmente, uma igreja que não tem interesse por quem se distancia da verdade.

Devemos recordar e obedecer ao inspirado conselho do “irmão” do nosso Senhor: procuremos restaurar o desviado! Buscar a ovelha que se desviou não é perda de tempo. Deixe as 99 ovelhas e saia em busca da centésima, da extraviada, da desgarrada (Lc 15:4). Procure visitá-la! Ao achá-la bastante ferida pelo pecado, não desista de acreditar no retorno. Ajude-a a erguer-se novamente. Evite tratá-la com palavras de recriminação e condenação. É preciso que pensemos como gostaríamos de ser tratados numa situação semelhante, uma vez que todos tropeçamos e caímos no pecado e necessitaremos de que os nossos irmãos, com mansidão, nos façam voltar à fidelidade no serviço do Senhor (Gl 6:1).

A fé autêntica celebra a restauração de quem se desviou do Senhor - Qual deve ser a nossa reação, quando o desviado retorna à verdade? Reação de celebração! Afinal, o irmão fora salvo da morte. A nossa reação não deve ser a do irmão mais velho de uma das parábolas mais conhecidas, comoventes e edificantes registradas nos evangelhos. Ele se zangou e se irritou muito com a festa feita para o irmão que voltou para casa vivo e com saúde (Lc 15:27-28). Não gostou de assistir à cena do irmão que desperdiçou a herança paterna sendo readmitido e perdoado graciosamente. Se sentido injustiçado e preterido, perguntou: E a minha festa, meu pai?

Em suma, ao voltar do desvio, o filho mais novo teve o abraço, o beijo, o perdão do pai. Mas, ao entrar em casa, não teve o perdão e o apoio do seu irmão, mas a crítica! Teve o dedo do irmão apontado para o seu passado, para a sua desobediência, para o seu desperdício, para a sua imoralidade (Lc 15:30). Ainda hoje, muitos que voltam à casa do Senhor encontram ambiente semelhante. A igreja do nosso tempo precisa aprender a receber os desviados com uma postura acolhedora, regozijante, perdoadora e, sobretudo, celebrativa. É preciso que nos regozijemos e nos alegremos com a volta do irmão que estava perdido e foi achado (Lc 15:32).

CONCLUSÃO

As boas ações do crente sempre ressoam bem alto, como demonstração de princípios indestrutíveis de fidelidade cristã. O triunfo de sua fé consiste no exercício permanente de boas obras, como prova de amor, compaixão e assistência aos fracos na fé. A seu lado, irmão, há sempre alguém se afogando e sendo levado pelas impetuosas ondas do pecado. Vez por outra, esse doente, fraco na fé, lança-lhe um olhar de clemência, que precisa ser entendido como um pedido de socorro urgente, de alguém totalmente machucado e ferido, que precisa ser restaurado. Restauração espiritual, cuja ferramenta e perícia estão sob seu domínio exclusivo. Deus está disposto a lhe ajudar nesta tarefa gloriosa. Demonstre sua fidelidade a Deus e a seu semelhante.



Referências bibliográficas:

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[1] Concordância Fiel do Novo Testamento. São José dos Campos (SP): Editora Fiel, 1994, volume 1, grego-português, p. 299.

[2] GINGRICH, F. W. & DANKER F. W. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984, p. 83

[3] RICHARDSON, Alan, apud JONES, E. Stanley. A Conversão. São Paulo: Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil, p. 55.

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Fonte: Texto de autoria do Pr. Manoel Pereira Brito - Estudo sobre a fé baseado na epístola de Tiago - Reproduzido e divulgado no PC@maral

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