Parece ser, mas não é

O apóstolo Paulo sempre recomendou o autoexame. No final de sua segunda carta aos coríntios ele sugere: “Examinem-se para ver se vocês estão na fé; provem-se a si mesmos”. Tenho pensado ultimamente sobre o quão real e verdadeira é nossa fé. Não estou preocupado com nossas convicções, mas se a fé que temos em Cristo é viva, real e verdadeira.

A cultura da aparência é uma das características mais cultuadas e criticadas da civilização pós-moderna. Acostumamo-nos a parecer aquilo que não somos. As imagens são retocadas; os currículos, maquiados; os entrevistados, treinados a dizer o que se espera deles. A tecnologia oferece cada vez mais recursos para isso. Hoje temos ferramentas capazes de criar uma falsa realidade, e o real se torna cada vez mais insuportável. Fazemos de tudo para maquiar a velhice, mudando inclusive seu nome: agora se chama “terceira idade”. A alegria deixou de ser um estado da alma e tornou-se um produto que se adquire nas prateleiras das farmácias, em consultórios e em clínicas especializadas.

Nossa fé também sofre as consequências da cultura. Recentemente, eu meditava na pequena carta à igreja de Laodiceia no livro de Apocalipse, e me dei conta de que é uma igreja muito parecida com as que conheço. Percebi que, ao contrário das outras igrejas do Apocalipse, a de Laodiceia não tinha nenhum problema com as perseguições externas, nem com os falsos profetas -- seu problema era ela mesma.

O diagnóstico que recebe é ela mesma quem dá: “Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma”. Não é necessário comentar sobre tal cidade e sua riqueza; detenho-me na relação entre a riqueza e a autossuficiência. Também não pretendo limitar o conceito de riqueza a algum padrão econômico, mas a um estado em que não criamos espaço para a dependência.

Nossas igrejas são assim. Somos ricos de gente brilhante e talentosa. Somos ricos de ideias, de conhecimento, de recursos e tecnologias. Temos músicos competentes, professores bem preparados, recursos de multimídia, acesso às modernas técnicas terapêuticas, desenvolvimento humano, dinâmicas que incrementam nossos relacionamentos e espírito de equipe. Somos abastados e, se precisarmos de alguma coisa, será de um “upgrade” em algum dos itens acima.

É claro que não há nenhum problema em ter pessoas talentosas e competentes na igreja. O problema está em “não precisar de coisa alguma”. Em outras palavras, o problema está em parecer que somos o que não somos. Laodiceia parecia rica, mas era pobre. Parecia conhecer tudo, mas era cega. Parecia bem vestida, mas estava nua. Parecia adorar, mas Cristo permanecia do lado de fora. Parecia que era, mas não era. É isto que a riqueza -- tecnológica, científica, intelectual etc.-- cria.

Nossas igrejas pensam que boa música é sinônimo de boa adoração; que ter uma boa doutrina e uma boa pregação significa ter uma boa espiritualidade; e que, por terem bons programas e projetos, têm uma missão. Porém, uma coisa não implica outra.

Por causa de sua riqueza e autossuficiência, Laodiceia tornou-se uma igreja morna. A mornidão é o estado de pessoas ou comunidades que não desejam nada, não sentem a ausência de nada, não buscam nada, não lutam por nada. Sentem-se confortáveis e acomodadas. O problema é que acreditam que já possuem tudo. É possível encontrar nessas igrejas muita gente animada, cantando e pulando, participando de projetos e programas; no entanto, o que há de real em tudo isso?

Laodiceia simboliza a igreja moderna e abastada, sem consciência do que lhe falta, sem desejo, confortável e morna. Uma igreja que tem tudo, mas não tem nada. Nesse autoexame proposto por Paulo, concluo que nos falta uma identidade primária, aquela que nos é dada pelo Senhor, fruto da união com Cristo, da comunhão, da relação de amor e dependência sem a qual tudo mais é apenas ilusão, aparência de algo que não mais existe.

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Fonte: texto de autoria de Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”. Publicado na Revista Ultimato edição 317 março-abril 2009 compartilhado no PC@maral

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